domingo, 30 de janeiro de 2011

Moral Verosímil como Meio de Criação Humana

Martin Heidegger, em A Origem da Obra de Arte, diz-nos ser necessário que se recorra ao artista para conhecer a origem da obra de arte, porém só sabemos algo sobre o artista, se inquirimos a obra que, por sua vez, só é uma obra porque resultou do trabalho do artista. Desta feita, somos obrigados a penetrar num círculo que, conforme Heidegger, é uma forma que deve percorrer quem se ocupa do pensar.
 Inseridos no círculo, o caminho devemos percorrer. Chegamos, então à conclusão de que uma obra de arte é aquela que é gerada no auge do conflito entre a Terra e o Mundo. A primeira, reconhecida como a doadora, aquela que se retrai e se oculta no seu silêncio. O Mundo, resultado da construção humana, é aquele que reclama da Terra o proferir de qualquer coisa que o conduza à compreensão daqueles que lhe deram vida e que, por sua vez, ele e a terra são seus geradores. É nesta inter-dependência que se explica a relação entre Obra de Arte e Artista, sendo simultaneamente a partir desta  premissa que se chegará à compreensão do Mundo e da Natureza (Terra). Verificamos assim que a expansão de um “ser”, de um “existir”, tem sempre retorno ao seu “ventre”. Da Terra surge, se expande, mas mesmo através da ambiguidade do pensamento humano, ela retorna à sua origem. E assim se revela a verdade, na íntima relação com o Homem, com Mundo que resulta dele, e da sua Mãe Terra. Revela-se a verdade no mutismo de uma obra de arte, que parte do Homem, e simultaneamente, da Terra, sua origem.
Por fim espera-se que a obra de arte seja contemplada, para que, enfim, se revele esta verdade.

Penetrando, na problemática do Mundo, isto é, da Criação Humana, confrontamo-nos com a incoação na Natureza Humana.

De acordo com o conceito aceite pela ciência moderna, natureza humana é a parte do comportamento humano que se acredita que seja normal e/ou invariável através longos períodos de tempo em contextos culturais dos mais variados. Esse entendimento entretanto é equivocado, dado que a ciência não crê em natureza humana, pois essa tem um carácter metafísico.

Existindo várias perspectivas em relação à natureza e essência fundamentais dos seres humanos, foco-me no livre arbítrio e determinismo, tomando conta, estas premissas, de grande parte do debate sobre a natureza humana.
Sendo um acto quase que Predestinado, a Criação Humana vive de um conflito inerente à sua própria natureza, a ignorância, o sofrimento, o domínio da morte, inclinada ao pecado, e a procura simultânea de respostas, ou antes uma ambição inabalável, que garante a evolução da espécie. Não tomando partido do Creacionismo, creio que coexiste na natureza humana, determinismo e livre arbítrio, tal como defendem os compatibilistas contemporâneos.
Tal como todos os fenómenos físicos, os seres humanos, são objecto de causa e efeito. As nossas acções resultam do meio social bem como factores biológicos ou teológicos, mas também da livre e espontânea vontade de lhes ceder, e a meu ver, assim se concretiza a base para a criação humana, através de uma identidade completamente introvertida, ou integrada no seu meio, que procura respostas de si para si mesmo, ou de/para o seu ambiente.

Outro aspecto discutido da natureza humana é a existência da relação do corpo físico com o espírito ou alma, que transcende os atributos físicos do homem, bem como a existência de qualquer propósito transcendente.
Sendo eu a favor da visão filosófica naturalista, discordo da Alegoria da Caverna de Platão, em que a alma é um espírito que apenas usa o corpo e que a forma como vemos o mundo que nos rodeia é simplesmente um reflexo de algo mais elevado.
Sou da opinião que os humanos são seres não planeados do produto da evolução, que opera em parte pela selecção natural e mutação aleatória; sou algo a favor do Tomismo, uma vez que este assegura que o empirismo e a filosofia, que quando adequadamente exercidos, conduzirão inevitavelmente à crença razoável em Deus, à alma humana e ao objectivismo moral, o que assim sendo nos levará a prática do “sentir”, e deixar o preconceito do “já sentido”, de que nos fala Mário Perniola, pois através desta “moral” poderemos deixar as surpresas insólitas e perturbadoras, irredutíveis à identidade, ambivalentes, excessivas que se encontram entretecidas na existência de tantos homens e mulheres do século XXI, sendo isto, efectivamente o carácter não puro do sentir, que se liga à ausência de sensatez, seja, à falta de moral e razão.
"Há de se notar que um indivíduo, vivendo em sociedade, constitui de certo modo uma parte ou um membro desta sociedade. Por isso, aquele que faz algo para o bem ou para o mal de um de seus membros atinge, com isso, a toda a sociedade" [1]
"A humildade é o primeiro degrau para a sabedoria" [2]
Com um sentir mais duradouro, poderemos ter a paz necessária para a prática criativa.
A predisposição para uma moral e sensatez, leva-nos a indagar sobre o Estado de Natureza.
De acordo com Pelagius, o estado do homem na natureza, os Homens não são tentados pelo pecado original, mas plenamente capazes de escolher entre o bem e o mal.
De acordo com Hobbes, os seres humanos no estado de natureza estão inerentemente  numa "guerra de todos contra todos", e a vida neste estado é em última instância "desagradável, bruta, e curta." Para Hobbes, esse estado de natureza é sanado pelo bom governo.
Concordo com Bertrand Russell e consequentemente com Hobbes. Para Russell o mal moral ou pecado é derivado de instintos que tenham sido transmitidos para nós de nossos ancestrais por bestas de rapina. Esta ascendência originou-se quando certos animais se tornaram omnívoros e empregados na caça (matando e furtando), de forma periódica para devorar a carne, bem como as frutas, para apoiar o metabolismo, em concorrência com outros animais para a escassez de alimentos e de comida vegetal, fontes no ambiente predador em que evoluiu. Assim, o simples facto de que os seres humanos devem comer outra vida ou então têm fome, leva-nos a pensar que a morte é a provável origem primordial do mal moral contemporâneo e histórico, isto é, as coisas más que fazemos uns aos outros como mentir, enganar, difamar, assaltar e matar.
Assim, acreditando no livre arbítrio de escolher entre o bem e o mal, de alguns homens, com predisposição para praticar bons actos, acredito na seguinte premissa: “Trate as pessoas como se elas já fossem o que poderiam ser e você as ajudará a se tornarem aquilo que são capazes de ser." [3] 
Assim como Hobbes refere, um bom Governo trará boas práticas. E forma-se um novo círculo: Boas práticas trarão paz interior e consequentemente o “pleno sentir”, então amenizar-se-ão os conflitos interiores e inter-pessoais, e consequentes conflitos da criação humana…O “sentir em pleno” trará a plena obra de arte, percebida por todos como tal, quando “válida”, que será não mais que a revelação esperada da sua origem: o Artista, o Homem e seu “Mundo”, e a sua origem primordial, a “Terra”.


[1] Santo Tomás de Aquino, “Summa Theologiae”, I-II, q. 21, a. 3.
[2] São Tomás de Aquino.
[3] Goethe.

 

quarta-feira, 31 de março de 2010

Porquê que isto é arte? O que é que é arte?


Poucas perguntas provocarão polémica mais acesa e tão poucas respostas satisfatórias.
Para nós, arte é, antes de mais nada, uma palavra, uma palavra que reconhece quer o conceito e arte, quer o facto da sua existência. Sem a palavra, poderíamos até duvidar da própria existência da arte, porém sentindo o vazio deixado pela sua inexistência, pois esta é algo que perde definição quando pretende classificar um amplo leque de actividades humanas, tanto que é facto a palavra arte não existir na língua de todas as sociedades (embora a sua feitura acompanhe o Homem desde os primórdios, o que, hipoteticamente, a posiciona como adjectivo e não como substantivo como querem fazer dela (algo concreto e bem definido), assim assemelha-se a uma emoção materializando-se em interjeição perante determinado motivo, encontrando-se nesta medida com a palavra “Saudade” tão portuguesa, mas sentida em todo o mundo embora demasiado complexa para ter um ponto fixo, a despeito do que considera Mondrian “A Arte é um jogo e jogos têm as suas regras”… porque um jogo existe e a arte está no limiar da existência e da indefinição.
Ao dizer que a arte pretende classificar um amplo leque de actividades humanas, pretendo frisar que arte é uma actividade exclusivamente humana, pois está hoje provada a incapacidade dos outros seres vivos para, de um modo consciente e voluntário, produzir ou apreciar fenómenos criativos. A própria Natureza capaz de nos maravilhar com a harmonia das suas paisagens ou com a fúria dos seus elementos, não o faz com intencionalidade Artística, mas tão-somente como resultado das leis naturais e do acaso.
A relação do homem com a arte é íntima, a tal ponto que já alguém definiu a arte como sendo condição de humanidade. Porque será? A meu ver, a arte está inerente à actividade humana, e esta é imparável, caracterizando a natureza interrogativa e assim evolutiva do Homem, como diz Lewis Mumford “Quando deixa de criar o Homem deixa de viver.” Sendo a arte imortal, a despeito do que afirma Sigfried Giedion “Actualmente, será a arte ainda necessária?”. Já vimos que não é uma questão de necessidade mas de consequência.
Como se ousa afirmar “A Arte é um objecto estético”. É claro que nem toda a arte é bela aos nossos olhos, mas não deixa por isso de ser arte. A Estética, enquanto ramo da filosofia, tem preocupado os pensadores desde Platão aos nossos dias, mas, tal como a arte que por vezes define pela boca de alguns, e tal como todas as questões filosóficas, talvez os problemas levantados pelo belo sejam inerentemente insolúveis como afirma Herbad “Não há nem pode haver beleza que exista por si própria. Nada mais existe além da nossa opinião que nasce das nossas impressões pessoais”. Há que ter em conta que o nosso gosto e as nossas opções são exclusivamente condicionadas pela cultura em que estamos inseridos, e as culturas são tão diversificadas que se torna impossível reduzir a arte a um conjunto de regras susceptíveis de serem aplicadas em toda a parte. Parece assim impossível definir qualidades absolutas em arte, não podendo, nós escapar à necessidade de apreciar as obras de arte no contexto do seu tempo e circunstância.

A meu ver, e tendo em conta tudo o que referi, atrevo-me a dar a minha própria visão de arte: Arte para mim é uma questão de inconsciência e acaso, não de gosto, e todo o seu presente é devido ao destino, não à justiça, no sentido popular do termo.
Quando digo que arte para mim é uma questão de inconsciência e acaso, tenho presente que tudo no homem é um meio para se aliviar da sua emotividade, que pela sua excessividade é um peso nos ombros, sendo esta obra do acaso, vinda de um ser, embora algo racional, com pouco freio nos seus sentidos, por mais que pensados, tal como na frase “O amor tem razões que a própria razão desconhece” e como tudo acaba por ser vítima do amor (sendo o ódio também uma forma de amor, pois pertence à mesma escala do sentir, sendo apenas o oposto) a arte também se engloba neste confuso enredo humano, tal como Ruskin procurava nela: “Nós esperamos da arte que ela fixe tudo o que é fugaz, que ilumine aquilo que é incompreensível, que dê corpo àquilo que não se pode medir, que imortalize as coisas que não permanecem. Tudo o que é infinito e maravilhoso, aquilo que o homem pode constatar sem compreender, amar sem saber definir, é este o verdadeiro objecto da Arte.”
Posso adiantar então que Arte não é um objecto estético mas antes um adjectivo dado a uma emoção, ou mesmo, uma emoção.

Parto...

O parto já se deu a algum tempo...nado prematuro.

Assim continua a ser, mas mais atrevido já abre os olhos...

à espera da próxima etapa, que será sorrir para a árvore que o fez fruto.